Os Maias - Contextualização

Realismo


A Questão Coimbrã está na origem de um renovação literária à qual a França deu o seu impulso. Sente-se a crise religiosa no positivismo de Auguste Comte. Renan com o seu ateísmo, Michelet e o seu anticlericalismo, o socialismo de Proudhon vão determinar essa renovação que se opera na segunda metade do século XIX. Também o Determinismo e o Naturalismo de Taine e, na literatura, Flaubert e Baudelaire, Alphonse Daudet, Balzac e Zola, uns com o romance realista e o Parnasianismo, outros com o romance naturalista, exercem a sua influência nessa viragem que se opera. Em Portugal agitava-se o mesmo sentido reformista em Coimbra (1860-1865), onde uma falange de jovens devorava Proudhon, Zola, Renan, Victor Hugo, entre outros e, em breve, se fez sentir essa rajada ideológica de natureza social e política nas Odes Modernas (1865) de Antero e na Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras (1864) de Teófilo Braga. É o rastilho da Questão Coimbrã à qual se seguem, depois, As Conferências do Casino Lisbonens,e nas quais Eça pronuncia uma conferência com o título «O realismo como nova expressão de arte», enunciando os seguintes princípios: «É a negação da arte pela arte; é a prescrição do convencional, do enfático, do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da gestão dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reacção contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento. O Realismo é anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos para condenar o que houver de mau na nossa sociedade». Nela faz referência aos quadros realistas de Courbet. Com estes parâmetros, proclama uma literatura arejada, sã, positiva, com uma natureza soalheira, viva, matizada, aberta à observação e não propensa ao devaneio. Faz-se eco de Boileau quando afirma «rien n'est beau que le vrai». O espírito analítico aguça o trabalho do observador, que, objectivamente, tal como o analista no laboratório, se debruça sobre os factos a explicá-los, a tentar encontrar as respectivas causas, substituindo o «eu» sujeito (subjectivismo) pelo objecto (objectivismo). A arte é posta ao serviço da ciência e daí o Naturalismo. É uma arte que reforma, moralizando, quando põe a nu os podres de uma sociedade que a arte dos clássicos e o sentimento dos românticos tinham deixado camuflados. Diz Zola: «Cacher l'imaginaire sous le réel».

Afirma-se o impessoalismo, a objectividade, a captação das impressões pelos sentimentos, o que leva à fuga do «eu». É evidente a apetência pelo pormenor descritivo, com uma relevância especial no emprego do adjectivo, da imagem, do concreto pelo abstracto. Pratica-se a rejeição do trabalho inventivo, segundo o pensamento de Aain de Lattre «L'oeuvre... est une fabrication et de seconde main. L' ouvrage véritable est dans ce que l'on voit ». São postos de parte os valores espirituais, é anulado o interesse pelo passado nacional, o cosmopolitismo afirma-se. De francamente positivo o Realismo trouxe o enriquecimento e aperfeiçoamento da língua, com novas formas de expressão.
Naturalismo

Interessa ao naturalista, principalmente, encontrar o clima científico motivador do comportamento das personagens. Talvez a imagem do escritor realista se assemelhe à do cirurgião, que todo se desinfecta e calça luvas para efectuar uma operação, contrariamente ao vulgar matador de porcos que, com as suas mãos, chafurda no corpo do animal. Assim, também, o escritor naturalista quando se debruça sobre a podridão social. Seja, embora, Eça mais um escritor realista do que naturalista, estas duas posições não estão dissociadas nele, pois o Naturalismo como o definiu J. Huret em Enquêtes sur l'évolution littéraire é «um método de pensar, de ver, de reflectir, de estudar, de experimentar, uma necessidade de saber, mas não uma maneira especial de escrever» e Eça justifica determinadas situações nos seus romances - a hereditariedade, o meio ambiente em Os Maias, as pressões do momento em A Relíquia.
Questão Coimbrã



Foi uma das mais importantes polémicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX. No início dos anos 60, um grupo de jovens intelectuais coimbrãos vinham reagindo contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país. Em 1865, Pinheiro Chagas publica o Poema da Mocidade, em cujo posfácio o velho poeta António Feliciano de Castilho lhe fez elogios rasgados, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras. Foi o suficiente para de imediato Antero de Quental lançar um violento ataque num opúsculo intitulado Bom Senso e Bom Gosto. Os sectários de Castilho por um lado, e outros jovens por outro, vieram a terreiro lançar dezenas de opúsculos de cariz fortemente polémico e onde por vezes não faltava o sarcasmo mordaz e o ataque pessoal. Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres, como Ramalho Ortigão e Camilo C. Branco. Ela marca, de certo modo, o início de um espírito de modernidade nas letras portuguesas, pois esses jovens intelectuais (que foram o fermento da posterior Geração de 70), manifestaram a vontade de modernizar o pensamento e a Literatura em Portugal.
Geração de 70


Assim se designa o grupo de jovens intelectuais portugueses que, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, manifestaram um descontentamento com o estado da cultura e das instituições nacionais. O grupo fez-se notar a partir de 1865, tendo Antero de Quental como figura de proa e de maior profundidade reflexiva, e integrando ainda literatos como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Guilherme de Azevedo. Juntos ou, como sucedeu mais tarde, trilhando caminhos de certa forma divergentes, estes homens marcaram a cultura portuguesa até ao virar do século (se não mesmo até à República), na literatura e na crítica literária, na historiografia, no ensaísmo e na política.


Os homens da Geração de 70 tiveram possibilidade e, sobretudo, apetência de contacto com a cultura mais avançada da Europa como não se via em Portugal desde o tempo da formação de um Garrett e de um Herculano. Puderam, pois, aperceber-se da diferença que havia entre o estado das ciências, das artes, da filosofia e das próprias formas de organização social no país e em nações como a Inglaterra, a França ou a Alemanha. Em consequência, esta juventude cosmopolita nas leituras, liberal e progressista não se revia nos formalismos estéticos que grassavam nem naquilo que consideravam ser a estagnação social, institucional, económica e cultural a que assistiam.


O seu inconformismo havia de se manifestar em diversas ocasiões, com repercussões públicas dignas de registo. Em 1865 é despoletada a chamada Questão Coimbrã, que opôs o grupo, a pretexto de uma obra literária de mérito discutível, ao ultra-romantismo instalado que António Feliciano de Castilho personificava. Travou-se uma acesa polémica, à qual subjaziam grandes diferenças ao nível das referências estéticas mas também ideológicas. O grupo reunir-se-ia depois na capital, formando o Cenáculo, e em 1871 organizou as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com as quais chamou definitivamente a atenção da sociedade.


Nos anos seguintes, embora a atitude de crítica e de intervenção cultural e política se mantivesse, os membros do grupo foram definindo caminhos pessoais independentes, ora dedicando-se mais a umas actividades, ora a outras. Antero suicidou-se em 1891, e dir-se-ia que esse gesto simboliza o destino destes homens a caminho do final do século, em desilusão progressiva com o país e o sentido das suas próprias vidas.



Conferências do Casino




Conjunto de conferências realizadas em Lisboa em 1871 que surgiu aquando das reuniões do "Cenáculo" e que teve como impulsionador Antero de Quental. Este é o ponto mais alto da Geração de 70. Visavam abrir um debate sobre o que de mais moderno, a nível de pensamento, se vinha fazendo lá fora. Aproximar Portugal da Europa era o objectivo máximo, anunciado, aliás, no respectivo programa. Das várias conferências previstas, só se realizaram cinco, pois, a partir da sexta, as conferências foram proibidas pelo governo, sob a alegação que elas atacavam "a religião e as instituições políticas do Estado". Esta proibição levantou uma enorme onda de protestos de novo encabeçada por Antero de Quental. De qualquer modo, entre os intelectuais portugueses, ficou o gérmen da modernidade do pensamento político, social, pedagógico e científico que na França, na Alemanha e na Inglaterra se fazia sentir. Este espírito revolucionário e positivista dominava a maioria da jovem classe pensante.



Vencidos da Vida




Nome pelo qual ficou conhecido um grupo de onze intelectuais portugueses que tiveram destaque na vida literária e política do final do século XIX. Deste grupo faziam parte Oliveira Martins (autor da denominação Vencidos da Vida), Ramalho Ortigão, António Cândido, Guerra Junqueiro, Carlos Mayer, o marquês de Soveral, Carlos Lobo d'Ávila, o conde de Ficalho, Bernardo de Pindela e o conde de Sabugosa. Eça de Queirós juntou-se-lhes em 1889.


Reuniram-se com certa regularidade entre 1888 e 1894. Encontravam-se para convívio intelectual e diversão no Tavares, no Hotel Bragança ou na residência de um dos participantes. Vários destes intelectuais estiveram associados a iniciativas de renovação da vida social e cultural portuguesa de então, como as Conferências do Casino. Como um grupo, ficaram conhecidos (embora não com inteira justiça) pelo seu diletantismo, por um certo mundanismo desencantado. Estes não eram, contudo, sinais de falta de profundidade intelectual, como comprovam as abundantes realizações dos seus membros na política, na diplomacia, na historiografia e na literatura.

Pergunta B


O espaço em Frei Luís de Sousa intensifica a tensão dramática.
O Acto I desenrola-se no palácio de Manuel de Sousa, moderno, luxuoso, com janelas sobre Lisboa e o Tejo, simbolizando a harmo­nia aparente e a felicidade precária da família.
No Acto II (palácio de D. João de Portugal), a sala apresenta uma decoração antiga, os reposteiros cortam a luz, na parede dominam os retratos de Camões, D. Sebastião e D. João, símbolos dum passado ameaçador, prestes a regressar.
Finalmente, o Acto III passa-se numa sala escura e vazia (há ape­nas alguns objectos religiosos próprios da Semana Santa, símbolos de morte), fechada ao exterior, dando para a capela.
Assim, os espaços vão-se obscurecendo, afunilando, pressa­giando o desenlace final, a morte.

Correcção do questionário

1. Este excerto faz parte do Acto II, no conflito, e surge após as primeiras impressões da nova casa, a partida para Lisboa e as preocupações de D. Madalena; aproxima-se a chegada do Romeiro.

2. O receio de D. Madalena (sextas-feiras); a partida de Maria e de Manuel de Sousa criou um ambiente propício para a chegada do Romeiro; o espaço da acção, que recordava o passado, criou as condições necessárias à sua identificação; Madalena está sobressaltada, assustada e com um mau pressentimento; o simbolismo do dia em que decorre a acção é fundamental para o aumento da tensão dramática, para o crescendo da atmosfera trágica.

3.1. Estado de espírito de Madalena: amedrontada, receosa, angustiada, deixando transparecer um forte sentimento de culpa.

3.2. Esta sexta-feira será, de facto, um dia aziago para Madalena com a chegada do Romeiro e com as consequências desse acontecimento.

4. Os maus presságios de Madalena cumprem-se com a chegada do Romeiro, no final do Acto II, o que precipita o desenlace trágico: morte física de Maria e morte para o mundo de Manuel e Madalena.

5. Expressividade da linguagem e da pontuação neste excerto:
- as interrogações e as reticências, associadas às frases curtas manifestam a emoção e a intranquilidade que se vivia;
- o vocabulário utilizado que é pressagiador de desgraça;
- as repetições que destacam as emoções e a hesitação.

Análise de «Frei Luís de Sousa»

 Leia com atenção o texto transcrito. Responda, depois, de forma clara, objectiva e documentada às questões apresentadas.



JORGE, MADALENA


MADALENA

(falando ao bastidor)

— Vai, ouves, Miranda? Vai e deixa-te lá estar até veres chegar o bergantim; e quando desimbarcarem, vem-me dizer para eu ficar descansada. (Vem para a cena.) Não há vento, e o dia está lindo. Ao menos não tenho sustos com a viagem. Mas a volta… quem sabe? o tempo muda tão depressa…

JORGE

— Não, hoje não tem perigo.

MADALENA

— Hoje… hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado… que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça… É um dia fatal para mim; faz hoje anos que… que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião, e faz anos também que… vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.

JORGE

— Pois contais essa entre as infelicidades da vossa vida?

MADALENA

— Conto. Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, hoje, hoje… foi em tal dia como hoje, D. João de Portugal ainda era vivo! O pecado estava-me no coração; a boca não o disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante… já não guardava a meu marido, a meu bom… a meu generoso marido… senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida quási que mais deve a si do que ao esposo. Permitiu Deus… quem sabe se para me tentar?… que naquela funesta batalha de Alcácer, entre tantos, ficasse também D. João.



I

1. Integre o excerto na estrutura da obra.



2. Comente a importância que este extracto assume para o crescendo da atmosfera trágica.



3. “ Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça...”

3.1. Caracterize o estado de espírito de Madalena.



3.2. Demonstre em que medida a sexta-feira será mais uma vez um dia aziago para Madalena.



4. Comprove a seguinte afirmação: “ Os maus presságios de Madalena cumprem-se com a chegada do Romeiro, o que precipita o desenlace trágico”.



5. Comente a expressividade da linguagem e da pontuação neste excerto.


B
Num texto bem estruturado, de 80 a 130 palavras, comente a seguinte afirmação.



Cada um dos cenários dos três actos de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, sugerem, respectivamente, a felicidade aparente, a desgraça súbita fatal e a “morte”. Só naqueles espaços físicos era possível desenvolver cada um dos grandes momentos da acção trágica.